sábado, 28 de março de 2015

Disciplina para a submissão
Segundo Foucault, foi a disciplina - invenção burguesa surgida no século XVIII - que sustentou o crescimento do capitalismo. É um tipo de poder que se exerce sobre indivíduos, sobre seus corpos.
Para que essa tecnologia de poder funcione com todo seu potencial, foram criadas "instituições disciplinares" nas quais os indivíduos são confinados: a fábrica, o exército, a prisão, o hospital, a escola. Nessas instituições, as pessoas são individualizadas. Cada indivíduo tem um prontuário, no qual se anota tudo o que lhe acontece. Por meio da disciplina o indivíduo pode ser conhecido, controlado e explorado, tirando-se dele tudo o que pode oferecer.
Foucault debruçou-se sobre uma dessas instituições e escreveu o livro Vigiar e punir: história da violência nas prisões, em que mostra como na história do Ocidente a punição aos criminosos foi se transformando - dos castigos físicos ao encarceramento -, como forma de impor ao condenado uma disciplina que lhe permitisse ser ressocializado. Embora a instituição pesquisada seja a prisão, a a análise sobre a disciplina é válida para qualquer instituição disciplinar. Tanto que na terceira parte do livro, na qual ele analisa o desenvolvimento das tecnologias disciplinares, o foco escolhido é a escola.
A função da disciplina é produzir "corpos dóceis", que possam ser moldados, configurados segundo as necessidades sociais. Assim são produzidos os corpos dos estudantes, dos soldados e policiais, e também dos trabalhadores. Os corpos disciplinados são corpos exercitados e submissos. Como afirma Foucault, a disciplina aumenta a força dos corpos em sentido político, tornando-os obedientes.A obediência e a conformação dos corpos os tornam mais produtivos.
Discorrendo sobre a maneira como os corpos são disciplinados, Foucault diz que a disciplina é uma "arte das distribuições". Sua primeira operação é a distribuição dos indivíduos no espaço. É necessário, portanto, delimitar esse espaço. Não é por acaso que a arquitetura das escolas é muito semelhante, assim como a arquitetura das fábricas ou dos quartéis: trata-se da organização de um espaço disciplinar. Nesse espaço, os indivíduos são distriduídos segundo uma lógica organizacional. Como exemplo, basta pensar em como os estudantes são distribuídos na escola, organizados por séries ou anos, por classes e grupos. Essa ação, segundo o filósofo, transforma uma "multidão confusa" em uma "multiplicidade organizada".
O segundo aspecto da tecnologia disciplinar é sua ação de controle das atividades. Numa instituição disciplinar, toda atividade é controlada, e esse controle começa pelo tempo: há o momento certo para cada coisa. O controle dos horários é um dos pilares da disciplina: cada indivíduo aprende a controlar seu corpo, de modo a ir ao banheiro no horário estabelecido, e não quando tiver vontade; almoçar no horário estipulado pela instituição, e não quando tiver fome. Um corpo assim disciplinado é um corpo muito mais eficiente e produtivo, seja para o estudo, seja para o trabalho.
A disciplina, por meio do adestramento dos corpos, produz indivíduos. E eles são o tempo todo vigiados e controlados. Quando se desviam do comportamento esperado, são punidos. A punição tem a função de normalizar sua ação, de fazer com que os indivíduos voltem a agir conforme o esperado.
Biopoder: bem-estar social 
Uma vez consolidada a tecnologia de poder disciplinar, Foucault afirma que, por volta do fim do século XVIII, começa a se constituir uma nova tecnologia, que ele propõe denominar  biopoder, um poder sobre a vida. Mas o biopoder não deve ser confundido com o poder soberano.
O poder soberano era aquele que decidia sobre a vida e a morte dos súditos(Hobbes), ao passo que o biopoder é aquele que procura administrar a vida de uma população. O biopoder é complementar ao poder disciplinar, mas apresenta diferenças. Já vimos que o poder disciplinar se exerce sobre os indivíduos adequando-os à norma. O biopoder é diferente porque se exerce sobre grandes grupos de indivíduos já disciplinados que formam as populações. O poder disciplinar é, portanto, uma condição para que o biopoder se exerça e, enquanto a tecnologia centrada no corpo é individualizante, a tecnologia centrada na vida é massificante.
A tecnologia do biopoder está voltada para a manutenção da vida das populações organizadas pelo Estado como corpo político. Ela é a base do chamado "Estado de bem-estar social", que se preocupa em oferecer condições razoáveis de vida para toda a população. É por meio do biopoder que são criados programas de previdência social, orientados para garantir a saúde e a aposentadoria dos trabalhadores, bem como sistemas públicos de saúde, agindo, por exemplo, no atendimento à população em campanhas de vacinação em massa, como forma de prevenir doenças. O biopoder constitui o que Foucault denomna "sociedades de segurança", em que as ações dos governos já não estão voltadas para a disciplina( já estão todos disciplinados e individualizados ), mas para a segurança da população em múltiplos sentidos. E a garantia da segurança é feita pelo controle populacional.
Segundo Foucault, essa tecnologia inverte o princípio do poder de soberania; trata-se agora de "fazer viver e deixar morrer". O Estado é responsável por fazer com que os cidadãos vivam mais e melhor, evitando as mortes desnecessárias. A morte se torna um "problema de Estado": só uma autoridade legalmente constituída pode atestar que alguém morreu, emitindo uma certidão de óbito, assim como é o Estado que emite uma "certidão de nascimento".
Na visão de Foucault, as sociedades contemporâneas atuam com as duas tecnologias de poder simultaneamente: a disciplina e o biopoder. O cidadão legalmente constituído vive em uma situação de permanente controle por parte dos vários mecanismos estatais, e essa disciplina lhe garante segurança e bem estar.     

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