quinta-feira, 14 de maio de 2015

Bacon e Descartes e o conhecimento verdadeiro

Se os gregos indagaram: "Como o erro é possível?", os modernos perguntaram: "Como a verdade é possível?", pois buscavam compreender e explicar como nossas ideias correspondem ao que se passa verdadeiramente na realidade. Apesar dessas diferenças, os modernos retomaram o modo de operar proposto por Sócrates, Platão e Aristóteles, que é o de começar pelo exame das opiniões contrárias e ilusórias para ultrapassá-las em direção à verdade.
Antes de abordar o conhecimento verdadeiro, Bacon e Descartes examinaram exaustivamente as causas e as formas do erro, inaugurando um estilo filosófico que permanecerá na filosofia: a análise das causas e formas dos nossos preconceitos.
Bacon elaborou uma teoria conhecida como crítica dos ídolos. De acordo com ela, existem quatro tipos de ídolos ou de imagens que formam opiniões cristalizadas que impedem o conhecimento da verdade:
1. ídolos da caverna (uma referência ao Mito da Caverna): as opiniões que se formam em nós por erros e defeitos dos órgãos dos sentidos. São os mais fáceis de serem corrigidos pelo nosso intelecto;
2. ídolos do fórum (o fórum era o lugar das discussões e dos debates públicos na Roma antiga): são as opiniões que se formam em nós como consequência da linguagem e de nossas relações como os outros. São difíceis de serem vencidos, mas o intelecto tem poder sobre eles;
3. ídolos do teatro (o teatro é o lugar em que ficamos passivos, onde somos apenas espectadores e receptores de mensagens): são as opiniões formadas em nós em decorrência dos poderes das autoridades, que nos impõem seus pontos de vista e os transformam em leis inquestionáveis. Só podem ser desfeitos se houver uma mudança social e política;
4. ídolos da tribo (a tribo é um agrupamento humano em que todos possuem a mesma origem, o mesmo destino, as mesmas características e os mesmos comportamentos): são as opiniões que se formam em nós em decorrência da natureza humana. São próprios da espécie humana e só podem ser vencidos se houver uma reforma da própria natureza humana.
A demolição dos ídolos é, portanto, uma reforma do intelecto, dos conhecimentos e da sociedade. Para a reforma dos dois primeiros, Bacon propõe um método, definido como o modo seguro de aplicar o pensamento lógico aos dados oferecidos pelo conhecimento sensível. O método deve tornar possível:
. organizar e controlar esses dados, graças a procedimentos adequados de observação e de experimentação;
. organizar e controlar os resultados observacionais e experimentais para chegar a conhecimentos novos ou à formulação de teorias verdadeiras;
. desenvolver procedimentos adequados à aplicação prática dos resultados teóricos, pois para ele o homem é "ministro da natureza" e, se souber conhecê-la (obedecer-lhe, diz Bacon), poderá comandá-la. O método, afirma Bacon, é o modo seguro e certo de "aplicar a razão à experiência", isto é, de aplicar o pensamento verdadeiro aos dados oferecidos pelo conhecimento sensível.
Bacon acreditava que o avanço dos conhecimentos e das técnicas, as mudanças sociais e políticas e o desenvolvimento das ciências e da filosofia propiciariam uma grande reforma do conhecimento humano, que seria também uma grande reforma da vida humana.
Por sua vez, Descartes localizava a origem do erro em duas atitudes, que chamou atitudes infantis ou preconceitos de infância:
1. a prevenção, que é a facilidade com que nosso espírito se deixa levar pelas opiniões e ideias alheias, sem se preocupar em verificar se elas são ou não verdadeiras. São as opiniões que se cristalizam em nós na forma de preconceitos e que escravizam nosso pensamento, impedindo-nos de pensar e de investigar;
2. a precipitação, que é a facilidade e a velocidade com que nossa vontade nos faz emitir juízos sobre as coisas antes de verificarmos se nossas ideias são verdadeiras ou não. São opiniões que emitimos em consequência de nossa vontade ser mais forte  e poderosa que nosso intelecto.
Essas duas atitudes indicam que, para Descartes, o erro situa-se no conhecimento sensível (sensação, percepção, imaginação, memória e linguagem), de maneira que o conhecimento verdadeiro é puramente intelectual e parte de ideias inatas (isto é, verdades que existem em nossa alma desde nosso nascimento) ou de observações inteiramente controladas pelo pensamento.
Tal como Bacon, Descartes está convencido de que é possível vencer os defeitos no conhecimento por meio de uma reforma do entendimento e das ciências, diferentemente de Bacon, porém, Descartes não vê a necessidade de mudanças sociais e políticas.
Com Descartes tem início propriamente a filosofia moderna, pois é ele o primeiro a propor a figura do sujeito do conhecimento verdadeiro, quando a primeira verdade que escapa da dúvida é pronunciada: "penso, logo, existo".
A reforma proposta por Descartes deve ser feita pelo sujeito do conhecimento quando este compreende a necessidade de encontrar fundamentos seguros para o saber e, para tanto, instituir um método.
Os objetivos principais do método são:
. assegurar a reforma do intelecto para que este siga o caminho seguro da verdade (afastar a prevenção e a precipitação);
. oferecer procedimentos pelos quais a razão possa controlar-se a si mesma durante o processo de conhecimento, sabendo que caminho percorrer;
propiciar a ampliação ou o aumento dos conhecimentos graças a procedimentos seguros que permitam passar do já conhecido ao desconhecido;
oferecer os meios para que os novos conhecimentos possam ser aplicados, pois o saber deve "tornar o homem senhor e possuidor da natureza", no dizer de Descartes.
Método: regras certas, fáceis e amplas
Por que o método se torna necessário? Feitas as críticas à autoridade das escolas e dos livros, da tradição e dos preconceitos, o sujeito do conhecimento descobre-se como uma consciência que parece não poder contar com o auxílio do mundo para guiá-lo. Desconfia dos conhecimentos sensíveis e dos conhecimentos herdados. Está só, conta apenas com seu próprio pensamento. Sua solidão torna indispensável um método que possa guiar o pensamento em direção aos conhecimentos verdadeiros, ao passo que os distingue dos falsos. Eis por que Descartes escreve Discurso do método e regras para a direção do espírito.
O filósofo define o método como um conjunto de regras cujas características principais são três:
1. certas (o método dá segurança ao pensamento);
2. fáceis (o método evita complicações e esforços inúteis);
3. amplas (o método deve permitir que se alcancem todos os conhecimentos possíveis para o entendimento humano).
Descartes elabora quatro grandes regras do método:
1. regra da evidência: só admitir como verdadeiro um conhecimento evidente, isto é, no qual e sobre o qual não caiba a menor dúvida. Para isso, Descartes criou um procedimento, a dúvida metódica;
2. regra da divisão> para conhecermos realidades complexas precisamos dividir as dificuldades e os problemas e em suas parcelas mais simples, examinando cada uma delas em conformidade com a regra da evidência;
3. regra da ordem: os pensamentos devem ser ordenados em séries que vão dos mais simples aos mais complexos, dos mais fáceis aos mais difíceis, pois a ordem consiste em distribuir os conhecimentos de maneira que passemos do conhecido ao desconhecido;
4. regra da enumeração: a cada conhecimento novo obtido, deve-se fazer a revisão completa dos passos dados, dos resultados parciais e dos encadeamentos que permitiram chegar ao novo conhecimento. 
  

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