quarta-feira, 27 de maio de 2015

Para que Filosofia?

Ora, muitos fazem outra pergunta: "Afinal, para que filosofia?". É uma pergunta interessante. Não vemos nem ouvimos ninguém perguntar por exemplo, "Para que matemática ou física?", "Para que geografia ou geologia/", "Para que biologia ou psicologia?", "Para que astronomia ou química?", "Para que pintura, literatura, música ou dança?". Mas todo mundo acha muito natural perguntar: "Para que filosofia?".
Em geral, essa pergunta costuma receber uma resposta irônica, conhecida dos estudantes de filosofia: "A filosofia é uma ciência com a qual e sem a qual o mundo permanece tal e qual". Ou seja, a filosofia não serve para nada. Por isso, costuma-se chamar de "filósofo" alguém distraído, com a cabeça no mundo da lua, pensando e dizendo coisas que ninguém entende e que são completamente inúteis.
Essa pergunta, "Para que filosofia?", tem sua razão de ser. Em nossa cultura e em nossa sociedade, costumamos considerar que alguma coisa só tem o direito de existir se tiver alguma finalidade prática muito visível e de utilidade imediata. Quando se pergunta "Para quê?", o que se pergunta é: "Qual a utilidade?", "Que uso proveitoso ou vantajoso posso fazer disso?".
Eis por que ninguém pergunta "Para que as ciências?", pois todo mundo imagina ver a utilidade das ciências nos produtos da técnica. Todo mundo também imagina ver a utilidade das artes, tanto por causa da compra e venda das obras de arte quanto porque nossa sociedade vê os artistas como gênios que merecem ser valorizados (ao mesmo tempo que, paradoxalmente, é capaz de rejeitá-los se suas obras forem verdadeiramente revolucionárias e inovadoras, pois, nesses casos, eles não são "úteis" para a manutenção do poder estabelecido).
Ninguém, todavia, consegue perceber para que serviria a filosofia. Parece que o senso comum não enxerga algo que os cientistas sabem muito bem. As ciências pretendem ser conhecimentos verdadeiros, obtidos graças a procedimentos rigorosos de pensamento; pretendem agir sobre a realidade por meio de instrumentos e objetos técnicos; pretendem fazer progressos nos conhecimentos, corrigindo-os e aumentando-os.
Ora, todas essas pretensões das ciências pressupõem que elas admitem a existência da verdade, a necessidade de procedimentos corretos para bem usar o pensamento, o estabelecimento da tecnologia como aplicação prática de teorias. Sobretudo, pressupõem que elas confiam na racionalidade dos conhecimentos.
Verdade, pensamento racional, procedimentos especiais para conhecer fatos, aplicação prática de conhecimentos teóricos, correção e acúmulo de saberes: esses propósitos das ciências não são científicos, são filosóficos e dependem de questões filosóficos. O cientista parte deles como questões já respondidas, mas é a filosofia que as formula e busca respostas para elas.
Assim, o trabalho das ciências pressupõe o trabalho da filosofia, mesmo que o cientista não seja filósofo.
No entanto, como apenas os cientistas e os filósofos sabem disso, a maioria das pessoas continua afirmando que a filosofia não serve para nada.
A filosofia como fundamentação teórica e crítica
Nessa condição, a filosofia se volta para o estudo dos vários modos de conhecimento (percepção, imaginação, memória, linguagem, inteligência, experiência, reflexão) e dos vários tipos de atividades interiores e comportamentos externos dos seres humanos como expressões da vontade, do desejo e das paixões. Ela procura descrever as formas e os conteúdos desses modos de conhecimento e desses tipos de atividade e comportamento como relação do ser humano com o mundo, consigo mesmo e com os outros.
Para realizar seu trabalho, a filosofia investiga e interpreta o significado de ideias gerais, como realidade, mundo, natureza, cultura, história, verdade, falsidade, humanidade, temporalidade, espacialidade, qualidade, quantidade, subjetividade, objetividade, diferença, repetição, semelhança, conflito, contradição, mudança, necessidade, possibilidade, probabilidade, etc.
A atividade filosófica é, portanto, uma análise, uma reflexão e uma crítica. Essas três atividades são orientadas elaboração filosófica de ideias gerais sobre a realidade e os seres humanos. Portanto, para que essas três atividades se realizem, é preciso que a filosofia se defina como busca do fundamento (princípios, causas e condições) e do sentido (significação e finalidade) da realidade em suas múltiplas formas. Para tanto, ela deve indagar o que essas formas de realidade são, como são e por que são, e procurar as causas que as fazem existir, permanecer, mudar e desaparecer.
A filosofia não é ciência: é uma reflexão sobre os fundamentos da ciência, isto é, sobre procedimentos e conceitos científicos. Não é religião: é uma reflexão sobre os fundamentos da religião, isto é, sobre as causas, origens e formas das crenças religiosas. Não é arte: é uma reflexão sobre os fundamentos da arte, isto é, sobre os conteúdos, as formas, as significações das obras de arte e do trabalho artístico. Não é sociologia nem psicologia, mas a interpretação e avaliação crítica dos conceitos e métodos da sociologia e da psicologia. Não é política, mas interpretação, compreensão e reflexão sobre a origem, a natureza e as formas do poder e suas mudanças. Não é história, mas reflexão sobre o sentido dos acontecimentos inseridos no tempo e compreensão do que seja o próprio tempo.
Útil? Inútil?
O primeiro ensinamento filosófico é perguntar: "O que é o útil?", "Para que e para quem algo é útil?", "O que é o inútil?, "Por que e para quem algo é inútil?".
O senso comum de nossa sociedade considera útil o que dá prestígio, poder, fama e riqueza. Julga o útil pelos resultados visíveis das coisas e das ações, identificando sua possível utilidade, como na famosa expressão "levar vantagem em tudo". Não poderíamos, porém, definir o útil de outra maneira? Vamos ver o que dizem alguns filósofos de diferentes épocas e lugares.
Platão definia a filosofia como um saber verdadeiro que deve ser usado em benefício dos seres humanos para que vivam numa sociedade justa e feliz.
Descartes dizia que a filosofia é o estudo da sabedoria, conhecimento perfeito de todas as coisas que os humanos podem alcançar para o uso da vida, a conservação da saúde e a invenção das técnicas e das artes com as quais ficam menos submetidos às forças naturais, às intempéries e aos cataclismos.
Kant afirmou que a filosofia é o conhecimento que a razão adquire de si mesma para saber o que pode conhecer, o que pode fazer e o que pode esperar, tendo como finalidade a felicidade humana.
Marx declarou que a filosofia havia passado muito tempo apenas contemplando o mundo e que se tratava, agora, de conhecê-lo para transformá-lo, de modo que se alcançasse justiça, abundância e felicidade para todos.
Merleau-Ponty escreveu que a filosofia é um despertar para ver e mudar nosso  mundo.
Espinosa afirmou que a filosofia é um caminho árduo e difícil, mas que pode ser percorrido por todos, se desejarem a liberdade e a felicidade.
Qual seria, então, a utilidade da filosofia?
Se abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso comum for útil; se não se submeter às ideias dominantes e aos poderes estabelecidos for útil; se buscar compreender a significação do  mundo, da cultura, da história for útil, se conhecer o sentido das criações humanas nas artes, nas ciências e na  política for útil; se dar a cada um e à sociedade os meios para sermos conscientes de nós mesmos e de nossas ações numa prática que deseja a liberdade e a felicidade para todos for útil, então podemos dizer que a filosofia é o mais útil de todos os saberes de que os seres humanos são capazes.
  

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