terça-feira, 12 de maio de 2015

Sensação e percepção

O conhecimento empírico ou sensível também é chamado experiência sensível, e suas formas principais são a sensação e a percepção.
A sensação é o que nos dá as qualidades exteriores e interiores dos objetos e os efeitos internos dessas qualidades sobre nós. Na sensação sentimos o quente e o frio, provamos o doce e o amargo, tocamos o liso e o rugoso, vemos o roxo e o verde, ouvimos o barulho e o silêncio. Sentimos também qualidades internas, que se passam em nosso corpo ou em nossa mente pelo contato com as coisas sensíveis: prazer, dor, desagrado.
Sentir é algo ambíguo, pois o sensível é, ao mesmo tempo, a qualidade que está no objeto externo e o sentimento que nosso corpo possui das qualidades sentidas. Por isso a tradição costuma dizer que a sensação é uma reação corporal imediata a um estímulo externo, sem que seja possível distinguir o estímulo exterior do sentimento interior. 
Ninguém diz que sente o quente, vê o azul e engole o amargo, dizemos que a água está quente, que céu é azul e que o alimento está amargo. Além disso, quando, por exemplo, percebemos a água, não percebemos apenas sua temperatura, mas também sua transparência, sua vulnerabilidade, isto é, várias de suas características. Mesmo se fizermos referência a apenas uma qualidade, outras sensações estarão presentes. Por isso se diz que, na realidade, não temos uma sensação isolada de outras, e sim sensações como reunião ou síntese de várias sensações.
Empirismo e intelectualismo: Duas grandes concepções sobre a sensação e a percepção fazem parte da tradição filosófica: a empirista e a intelectualista.
Para os empiristas, a sensação e a percepção são causadas pela relação entre estímulos externos e o cérebro. Depois que esses estímulos agem sobre nossos sentidos e sobre o nosso sistema nervoso, nosso cérebro envia uma resposta que percorre nosso sistema nervoso até chegar aos nossos sentidos na forma de uma sensação (uma cor,um sabor, um odor) ou de uma associação de sensações numa percepção (vejo um objeto vermelho, sinto o sabor de uma carne, sinto o cheiro da rosa, etc.).
Para um empirista, a sensação é pontual: um ponto do objeto externo toca um de meus órgãos dos sentidos e faz um percurso no interior do meu corpo, indo ao cérebro e voltando às extremidades sensoriais. Cada sensação é independente das outras, cabendo à percepção unificá-las e organizá-las numa síntese.
A causa do conhecimento sensível é a coisa externa, de modo que a sensação e a percepção são efeitos passivos de uma atividade dos corpos exteriores sobre o nosso corpo. O conhecimento é obtido por soma e associação das sensações na percepção, num processo que depende da frequência, da repetição e da sucessão dos estímulos externos e de nossos hábitos.
Para os intelectualistas, a sensação e a percepção dependem do sujeito do conhecimento, e a coisa exterior é apenas a ocasião para que tenhamos a sensação ou a percepção. Nesse caso, o sujeito é ativo e a coisa externa é passiva, ou seja, sentir e perceber são fenômenos que dependem da capacidade do sujeito para decompor um objeto em suas qualidades simples (a sensação) e recompô-lo, dando-lhe organização e significação (a percepção). A passagem da sensação para a percepção é, aqui, realizada pelo intelecto do sujeito do conhecimento.
Psicologia da forma e Fenomenologia: No século XX, porém, a filosofia alterou bastante essas duas tradições e as superou numa nova concepção do conhecimento sensível. As mudanças foram trazidas pela fenomenologia de Edmund Husserl pela psicologia da forma ou teoria da gestalt.
Ambas mostraram:
.contra o empirismo: que a sensação não é uma resposta físico-fisiológica pontual, a um estímulo externo também pontual;
.contra o intelectualismo: que a percepção não é uma atividade de síntese das sensações realizada pelo pensamento;
.contra o empirismo e o intelectualismo: que não há diferença entre sensação e percepção.
Empiristas e intelectualistas, apesar de suas diferenças, concordavam que a sensação era uma relação de causa e efeito entre pontos das coisas e pontos do nosso corpo. As coisas seriam como mosaicos de qualidades isoladas, e nosso aparelho sensorial também seria um mosaico de receptores isolados. Por isso a percepção era considerada a atividade que "juntava" as partes numa síntese que seria o objeto percebido.
Fenomenologia e gestalt, porém, mostram que não há diferença entre sensação e percepção porque nunca temos sensações parciais, pontuais ou elementares, que depois o espírito organizaria como percepção de um único objeto. Sentimos e percebemos formas, totalidades estruturadas dotadas de sentido ou de significação.
Assim, por exemplo, ter a sensação e a percepção de um cavalo é sentir/perceber de uma só vez sua cor, suas partes, sua face, seu lombo, sua crina e seu rabo, seu porte, seu cheiro, seus ruídos, seus movimentos. O cavalo-percebido não é um feixe de qualidades isoladas que enviam estímulos aos meus órgãos dos sentidos (como suporia o empirista) nem um objeto esperando que meu pensamento diga às minhas sensações "Esta coisa é um cavalo" (como suporia o intelectualista). O cavalo-percebido não é um mosaico de estímulos (empirismo) nem uma ideia (intelectualismo), mas é, exatamente, uma cavalo-percebido.

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