segunda-feira, 25 de maio de 2015

Filosofia e religião.

A religiosidade: Desde muito cedo os seres humanos percebem regularidades na natureza e sabem que não são a causa delas, percebem também que há na natureza coisas boas e ameaçadoras e reconhecem que não são os criadores delas. A percepção da realidade exterior como algo independente da ação humana nos conduz à crença em poderes superiores ao humano e à busca de meios para nos comunicarmos com eles. Nasce, assim, a crença na(s) divindade(s).
A consciência também é responsável pela descoberta da morte. Um filósofo disse que somente os seres sabem que são mortais e outro escreveu: " O animal acaba, mas o homem morre". O que isso quer dizer?
Quando indicamos os principais traços da cultura, observamos que nela e por ela os seres humanos têm a experiência do tempo. Vimos também que outro aspecto fundamental da cultura é a atividade do trabalho. Ora, ao trabalhar, as pessoas se relacionam com um tempo que não é o presente, e sim o futuro, pois o trabalho é feito em vista de algo que ainda não existe.
Vimos também, ao estudarmos a memória, que ela é responsável pelo sentimento da identidade pessoal e da continuidade de uma vida que transcorre no tempo. A percepção do tempo, o trabalho e a memória fazem com que as pessoas sejam capazes de estabelecer relações com o ausente: o passado lembrado, o futuro esperado.
Se reunirmos numa única experiência o sentimento do tempo e o da identidade pessoal, notaremos que os humanos são conscientes de que alguns seres e coisas desaparecem no tempo e outros surgem no tempo. Esses seres e coisas permanecem durante certo período porque os humanos são capazes de ligar passado, presente e futuro, isto é, são capazes de perceber que existem e possuem identidade. Mas também são conscientes de que podem desaparecer um dia. Ou seja, sabem que morrem.
Ora, por sermos conscientes tanto do tempo como uma presença (o presente) situada entre duas ausências (o passado e o futuro) quanto de nossa identidade e da identidade de nossos semelhantes, concebemos a permanência dessa identidade num tempo futuro, isto é, concebemos uma existência futura, num outro lugar ou num outro mundo, para onde vamos após a morte.
A crença numa vida futura explica por que uma das primeiras manifestações religiosas em todas as culturas são os rituais fúnebres, que asseguram  a entrada dos mortos na vida futura, e a busca de meios para comunicar-se com eles.
A crença em divindades e numa outra vida após a morte defino o núcleo da religiosidade e se exprime na experiência do sagrado.
A vida após a morte: Vimos que o sentimento religioso e a experiência da religião são inseparáveis da percepção de nossa mortalidade e da crença em nossa imortalidade. Toda religião, portanto, explica não só a origem da ordem do mundo natural, mas também a dos seres humanos e lhes ensina por que são mortais e o que podem ou devem esperar após a morte.
Na quase totalidade das religiões o mistério da morte é sempre explicado como consequência de alguma falta cometida contra algum deus ou de alguma ofensa que os homens fizeram aos deuses. No princípio os homens eram imortais e viviam na companhia dos deuses ou de Deus; a seguir, alguém ou alguns cometem uma transgressão imperdoável (um pecado) que leva à grande punição: a mortalidade para todos. No entanto, a imortalidade não está totalmente perdida, pois os deuses (ou Deus) concedem aos mortais uma vida após a morte, desde que, na vida presente, respeitem a vontade e a lei divinas.
Como é a imortalidade? Algumas religiões afirmam a imortalidade do corpo humano assegurando que este possui um duplo, feito de outra matéria, que permanece após a morte. Esse duplo, por ser feito de matéria sutil, pode penetrar no corpo de outros seres para se relacionar com os vivos. Outras religiões acreditam que o corpo é mortal, mas habitado por uma entidade - espírito, alma, sombra imaterial, sopro - que será imortal se os decretos divinos e os rituais tiverem sidi respeitados pelo fiel. No caso do judaísmo e do cristianismo, além disso, a imortalidade também depende de o gênero humano ter recebido o perdão divino pelo pecado dos ancestrais, Adão e Eva.
Por acreditarem firmemente numa outra vida, os adeptos das religiões realizam ritos funerários, encarregados de preparar e garantir a entrada do morto na outra vida. O ritual fúnebre limpa, purifica, adorna e perfuma o corpo morto e o protege com a sepultura. Pelo mesmo motivo, os cemitérios, na maioria das religiões e particularmente nas africanas, indígenas e ocidentais antigas, são lugares consagrados, campos-santos, nos quais somente alguns, e em certas condições, podiam penetrar.
Em algumas religiões, como nas do Egito e da Grécia antigos, a perfeita preservação do corpo morto, isto é, de sua imagem, era considerada essencial para que ele fosse reconhecido pelos deuses no reino dos mortos e recebesse a imortalidade. No caso dos egípcios, havia uma instituição social, a Casa dos Mortais, encarregada de embalsamar os cadáveres, preparando-os para a preservação na vida futura. No caso dos gregos, era preciso que o corpo morto permanecesse inviolado para que dele nascesse sua imagem viva e inteira, sua sombra, pois era esta que partia para o outro mundo e se tornava imortal.
Nas religiões do encantamento, como a grega antiga, as africanas e as indígenas das Américas, a morte é concebida de diversas maneiras, mas em todas elas o morto fica encantado, isto é, torna-se algo mágico. Em algumas, o morto deixa seu corpo para entrar num outro e permanecer no mundo sob formas variadas;ou seu espírito deixa seu corpo para permanecer no mundo, agitando os ventos, as águas, o fogo, ensinando os mais velhos, escondendo e achando coisas. Em outras, o morto tem sua imagem ou seu espírito levado ao mundo divino e ali desfruta das delícias de uma vida perenemente perfeita e bela; se, porém, suas faltas terrenas foram tantas e tais que não pôde ser perdoado, sua imagem ou espírito vagará eternamente pelas trevas, sem repouso e sem descanso.
O mesmo lhe acontecerá se os rituais fúnebres não puderem ser realizados ou se não tiveram sido realizados adequadamente. Esse perambular pelas trevas não existe nas religiões de reencarnação. Nestas, em lugar dessa punição, o espírito deverá ter tantas vidas e sob tantas formas quantas necessárias à sua purificação, até que possa participar da felicidade perene.
Nas religiões da salvação, como é o caso do judaísmo, do cristianismo e do islamismo, a felicidade perene não é apenas individual, mas também coletiva, São religiões em que a divindade promete perdoar a falta originária, enviando um salvador que, sacrificando-se pelos pelos humanos, garante-lhes a imortalidade e a reconciliação com Deus.
Como a falta ou queda originária atingiu a todos os humanos, o perdão divino e a redenção decorrem de uma decisão divina, que deverá atingir a todos os humanos, se acreditarem e respeitarem  a lei divina escrita nos textos sagrados e se guardarem a esperança na promessa de salvação que lhes foi feita por Deus.
Nesse tipo de religião, a obra de salvação é realizada por um enviado de Deus - daí vêm, do hebraico, messias, e, do grego, cristo. As religiões da salvação são messiânicas e coletivas. Um povo - povo de Deus - será salvo pela lei e pelo enviado divino, que vem realizar a esperança de felicidade perene no mundo, após sofrimentos profundos, por meio da regeneração, purificação e libertação dos seres humanos. A essa esperança é dado o nome milenarismo.
Críticas à religião: As primeiras críticas à religião feitas no pensamento ocidental vieram dos filósofos pre-socráticos, que criticaram o politeísmo e o antropomorfismo dos deuses. Em outras palavras, afirmaram que, do ponto de vista da razão, a pluralidade dos deuses é absurda, pois a essência da divindade é a plenitude infinita; portanto, não pode haver senão uma única potência divina.
Declararam também absurdo o antropomorfismo, que atribui aos deuses qualidades e propriedades humanas num grau superlativo. A razão, porém, sabe que eles devem ser supra-humanos, ou seja, as qualidades dos seres divinos não podem confundir-se com as da natureza humana. Essas críticas foram retomadas e sistematizadas por Platão, Aristóteles e pelos estoicos.
Outra crítica à religião foi feita pelo grego Epicuro e retomada pelo latino Lucrécio. A religião, dizem eles, é fabulação ilusória, nascida do medo da morte e da natureza. É superstição.
No século XVII, o filósofo Espinosa retoma essa crítica, mas, em vez de começar pela religião, começa pela superstição. Os humanos, diz ele, têm medo de que males lhes aconteçam e esperança de que bens lhes advenham. Movidos por essas duas paixões, não confiam em si mesmos nem nos conhecimentos racionais para evitar males e atrair bens. Passional ou irracionalmente, julgam que a origem dos males e dos bens encontram-se em forças caprichosas, como a sorte e a fortuna, e passam a acreditar nelas como poderes que os governam arbitrariamente. Essa crença é a superstição.
Para alimentá-la, criam a religião e esta, para conservar seu domínio sobre os homens, institui o poder teológico-político. Assim, sacerdotes e teólogos fazem crer que as leis políticas não foram instituídas pelos seres humanos, mas pela vontade de Deus ou dos deuses. Esta, por sua vez, teria sido revelada apenas a alguns, que, por isso, têm o direito divino de comandar os demais.
Nascida do medo supersticioso, a religião está, portanto, a serviço da tirania. Esta é tanto mais forte quanto mais os homens forem deixados na ignorância da verdadeira natureza de Deus, das verdades causas de todas as coisas e da origem humano do poder político e das leis.
A crítica filosófica à religião concentrou-se, pouco a pouco, na afirmação da diferença entre a crença numa divindade sobrenatural que impõe leis aos seres humanos e o conhecimento racional da essência de Deus. Isso levou, nos séculos XVII e XVIII, á ideia de uma religião não revelada, não sobrenatural, chamada deísmo.
Voltando-se contra a religião revelada e institucionalizada como poder eclesiástico e poder teológico-político, os filósofos afirmaram a existência de um Deus que é uma força ou uma energia inteligente, imanente à natureza, conhecido pela razão e contrário à superstição.
observamos, portanto, que as críticas à religião voltam-se contra dois de seus aspectos: o encantamento do mundo, considerando superstição, e o poder teológico-político institucional, considerado tirânico.  


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